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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

A banha-da-cobra

João-Afonso Machado, 27.12.10

Recordo com saudade as feiras do tempo da agricultura e das sempre bem-vindas mentiras dos vendedores da banha-da-cobra. Depois dos produtos hortícolas e gado vacum, nada como um desses oradores de outrora, roufenho e repetitivo, sempre com uma pomadinha miraculosa que a tudo acudia: às dores dos calos, à taquicardia, aos entupimentos intestinais.

A gente ria e incentivava o discurso, até porque só caía no logro quem queria. Mas a ASAE chegou às feiras, prendeu esses habilidosos e ficou-lhes com a mercadoria. Enquanto tal, ganhava alento um mercado amplíssimo, apelidado aparelho de Estado, onde a aquisição é obrigatória, e a mistela vai à força, goelas abaixo, mesmo para os mais renitentes.

A derradeira demonstração ocorreu anteontem - ainda por cima no dia de Natal! - e versando umas drageias cor-de-rosa chamadas "confiança". Aliás, já no ano transacto, por esta maré, o povo tinha ensurdecido com o berreiro de mais do mesmo - confiança, marca registada.

E a confiança servia para tudo: garantia os empregos, sustinha o custo de vida, travava os impostos, criava postos de trabalho... Enfim, ingeríssemos confiança e a economia nacional funcionaria como um realejo. Sem ameaça de qualquer colapso.

Não falemos de coisas tristes, como as que se perspectivam para 2011. Acreditemos. Sempre com o frasquinho de confiança no bolso. A qualquer altura do dia, à mais ligeira indisposição... uma confiança e dois goles de água.

Ninguém mais do que o próprio vendedor (quem não o conhece?, sempre de fatinho azul e camisa branca, narigudo, agrisalhando a cada nova intrujice...) acredita na confiança para fazer crescer as exportações ou para financiar a nossa economia e credibilizar o Estado português.

Provávelmente já experimentou a confiança. E confiou - num mandato governamental renovado. Isto é: a confiança tem efeitos colaterais - provoca alucinações.