O "Arranha-Céus"
Em pleno consulado salazarista, a verdade é que o Porto crescia. Estou em crer, por efeito do empreendedorismo das gentes da cá, mais do que por amabilidade do Poder político. A Praça de D. João I é um caso exemplar, em plena Baixa.
Veio a cavalaria, perpetuando-se em bronze, vis-a-vis, logo impelindo a população, sempre jocosa, a rebaptizá-la "Praça de Entre-Cús"; veio o visionário ímpar que foi Artur Cupertino de Miranda, trazendo o Palácio Atlântico, vale dizer, a sede do seu BPA. Isto em 1951.
Mas já antes, desde 1945, a Praça tinha o seu especial motivo de orgulho - esse alentado prédio, uma colmeia de serviços - companhias de seguros, escritórios diversos e, acima de tudo, consultórios - dos mais conceituados médicos da cidade.
Era um arrastar de grades a tarde inteira, os elevadores num subir e descer contínuo, sem descanso. Eram os mármores, os baixos-relevos, os azulejos nos corredores infindos, onde empregadas de bata branca, sizudas e entradotas na idade, tão dedicadas aos Srs. Drs., não deixavam as crianças andar de patins nem fazer corridas de carrinhos.
Das janelas cá para baixo se distraíam esses dolorosos momentos de espera. Os velhinhos autocarros de dois andares ali paravam. Os gigantescos placards do Rivoli anunciavam filmes fantásticos que iam somente na imaginação, para os menores de 12 anos... A não ser, talvez, nas férias do Natal, dependendo da pouca carga de disparates acumulada entretanto. Qualquer Walt Disney, por norma. E os eléctricos surgiam de todo o lado, para trás e para a frente, em Sá da Bandeira (enorme a necessidade de uns binóculos para devidamente tirar as medidas às montras dos Bazares Paris e Londres...), ao longo de Passos Manuel, rumo aos Aliados... Sempre tangando, como escrevia o tripeirissimo Rubem A.
A construção do prédio foi ideia de Maurício Carvalho de Macedo, um amarantino... E, uma vez concluida, ofereceu ao Porto o mais alto edifício de todo o Portugal - com os seus oito andares!
Cheios de jactância, os portuenses imediatamente o apelidaram com o nome ainda hoje mantido: o Arranha-Céus.