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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Às voltas com a crise

João-Afonso Machado, 13.12.10

Mais um Prós e Contras, hoje. O tema: "Compreender a crise". Os convidados: D. José Policarpo, Cardeal de Lisboa, e os Profs. Adriano Moreira, José Barata-Moura e António Barreto. Respigo, apenas, excertos da suas intervenções que acentuam o pendor do seu pensamento.

Serenamente, o Senhor Cardeal frisa a alma, a identidade cultural portuguesa, decerto a estas horas um tanto confundida, baralhada, com todos os inconvenientes daí decorrendo. Ao ponto de a democracia participativa ser apenas uma irrealidade.

Por seu turno, o Prof. Adriano Moreira vai à História buscar a Igreja, a Aliança luso-britânica, a CEE/UE para explicar o momento actual. E prossegue em detalhadas análises no campo do Direito Internacional Público, almejando sempre enquadrar as nossas fragilidades.

Do Prof. Barata-Moura não se esperaria não alicerçasse a crise nacional em razões de ordem política economica-financeira. Utilizando palavras suas, as "aventuras especulativas" são a alma do diabo e o corpo da lusa desdita. Concretamente, no que tange ao serviço de saúde e aos direitos laborais. E tudo sempre na óptica de uma cabala mundial. Só podia ser assim, levando em conta as bases das suas convicções filosóficas.

Já na reflexão do Prof. António Barreto vou encontrar a - tão distante e tão acessivel - constatação de que, de há 40 anos a esta parte, o Mundo globalmente melhorou. Nós, portugueses, é que não acompanhámos esse melhoramento. "O que andámos a fazer" durante esse tempo, inquire António Barreto?

Pois claro. Obvia é a nossa humana pobreza de recursos e, assim, a nossa responsabilidade pelos nossos males. "Trabalhar e poupar", recomendou.

O debate vai a meio, mas afigura-se interessante. Intragáveis são - serão sempre - as constantes interrupções e àpartes de Fátima Campos Ferreira. Porquê essa necessidade de demonstrar que estudou a cartilha?

 

Trancoso à noite

João-Afonso Machado, 13.12.10

No termo de uma viagem cansativa, nesta época de dias curtos, a Porta de D. Dinis parecia abrir-se-nos num sorriso alumiado de boas-vindas. Assim transpusemos a muralha do castelo de Trancoso.

Eram quase horas de jantar e a fome dividia-se entre as prometidas delícias gastronómicas e aquele emaranhado de vielas escurecidas, sombras inteiras de histórias e mistérios. Assim deixei para trás o Beco do Bandarra - o sapateiro Gonçalo Anes -, dezenas de recantos e descobertas adiadas. Com grande pena minha.

Falhou, completamente, o tempo para investigações e inquéritos. A toponímia foi um vazio aberto na curiosidade, mesmo porque - prioritário, prioritário, - era estacionar o carro e alancar para o restaurante. Em Trancoso, adentro das muralhas, não existe construção em altura e são várias as praças, os jardins, sobressaindo da patine das pedras. Perante mim, súbitamente, uma fachada imponente, armoriada, com boa carga de séculos em cima, e os canteiros e os arbustos de um pequeno parque a servi-la.

Pois, ainda assim, muda, cega, moribunda. Pareceu o conto do costume: um mal principiando nas janelas, porque as vidraças sempre foram a atracção-mor das fisgas; as pombas, aos bandos, a contribuirem para a sua podridão; as portadas que as chuvas, os verões, a incúria dos homens, destruiram; o improviso (o sarcasmo!) de umas tábuas quaisquer a substitui-las; morcegos, noites, fantasmagorias, a acentuar o distanciamento; e o aspecto final, da mais deplorável indigência.

Como se Trancoso acabasse de apunhalar uma filha sua. Sibilinamente, colorindo-lhe o cadáver com os tons da vegetação defronte. Que ocultavam, também, sabe-se lá quantos episódios do romanesco passado beirão.