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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Amanhã é a greve

João-Afonso Machado, 23.11.10

Tem a Imprensa, nos últimos dias, repescado imagens de 1982 e 1988, em que se verificou, possivelmente, a maior agitação grevista da III República. É uma viagem no tempo, a recordação desses momentos e desses cenários. A cidade de então, os seus automóveis, a vestimenta das pessoas... a farda da PSP, agentes pesadões, cinzentos, com botões dourados e sapatos de atacadores, autênticos músicos de filarmónica. Parecendo atarantados em tudo quanto não fosse aplicar uma multa por estacionamento indevido. Salvo, é claro, quando trocavam a chapeleta de general pelo capacete de viseira. Então, já se sabia, era a doer.

Hoje não é assim. Vêm de blusão, transpirando operacionalidade, na pose de qualquer jogador de basebol. Se calhar acabam, até, por resolver os conflitos de modo mais eficaz e pacífico... Enfim, todas estas constatações para referir apenas que, tal como nas outras greves ditas gerais, creio amanhã não se escapará à violência.

E vale a pena? Faz sentido a greve? O que pretende ela expressar ou traduzir?

Se é o descontentamento popular, o incómodo é em vão. Se é uma demissão, face à emergência de levantar o País... pois bem - adie-se a greve uma semana. Nova data - 1 de Dezembro. Pelo seu simbolismo, obviamente. Porque, na realidade, em que mãos estaremos melhor? Nas dos castelhanos ou nas dos FMIneses?

Ninguém ficará a ganhar com a greve, cujo preço para a nossa economia é da ordem dos muitos milhões. Nem o Governo perderá. Apenas Portugal descerá, ainda mais, na confiança dos mercados financeiros. Será só essa, a repercussão do facto político.

 

Usos e abusos

João-Afonso Machado, 22.11.10

A manhã correu péssimamente. Uma perdiz levantada na outra ponta do concelho, um coelhito avistado entre dois molhos de lenha, a bater o dente de frio, afogado em água até aos ossos... Porque a chuva, o vento agreste, não se calaram o tempo todo. Deitei a vista ao tempo antigo. A esses longínquos anos de abundância. Imaginei o regresso pela residência do Senhor Abade, a oferta das peças melhor preservadas a Sua Reverência, o convite para entrar um pouco, o cálice de vinho fino e os ladrilhos de marmelada. E umas rosnadelas de política, nesses idos das sotainas e da Senhora Jesuína, governanta e, obviamente, monárquica também. Sempre a persignar-se, arrepiada, o demo tomou conta do mundo e plantou nele a Maçonaria. T'arrenego!

- Nem mais, Senhora Jesuína, nem mais!

E vai mais um calinhos para o frio... E outro ladrinho, calorias é o que a gente precisa.

Mas não. Tudo sonhos. Já não há abades e sotainas (pintalgadas de caspa, invariávelmente), já não há governantas especializadas em marmelada, já quase não há caça, resta apenas a Maçonaria e este raio de meteorologia. Mandei às pernas voltassem ao lar.

Foi quando, um pouco adiante, a rapariga se pôs de volta de um silvado numa excitação frenética. O que seria? Um coelho?, uma raposa?, um elefante? Preparei-me para - vá lá... - um final feliz. E eis senão quando algo se solta de entre a vegetação, como um foguete, a rapariga atrás dele, desvairada... Arma à cara, uma mancha branca entre a verdura do trilho, espreito melhor... era o gato da casa! Esse malandro do Costa, gordo e lustroso como um deputado. Saíra primeiro, sem nada participar, e fazia a sua espera. Como na semana passada, em que tragou um esquilo. Agora apontaria aos melros, que o Senhor criou para cantarem ao entardecer e amarelar o bico durante o dia.

Está tudo mal. Já se diz por aí, 2012 será o termo deste nosso calvário. É bem possivel.

 

Grande aflição a minha!

João-Afonso Machado, 21.11.10

Hoje almocei cogumelos. E depois fui ler o jornal de ontem, onde é notícia o envenenamento de cinco tailandeses, no Montijo, por terem ingerido... cogumelos! Ao que parece, a diferenciação entre os comestíveis e os venenosos é, recorrentemente, dificílima e daí os frequentes desastres. Ainda no outro dia morreu um casal em Grândola...

E agora, meu Deus?

Segundo o jornal - de ontem, o maldito! - dos cinco tailandeses, quatro necessitam com urgência de um transplante hepático. Assim mesmo! Narrado pelo periódico com esta fleuma. Como quem divaga sobre a ida de uma senhora ao cabeleireiro. Esquecendo que para salvar os desgraçados, é preciso aguardar a morte de outros tantos, em moldes que permitam aproveitar-lhes o fígado!

É da Imprensa, não da minha cabeça a qual, aliás, desconhecia a existência de cogumelos e tailandeses no Montijo. E, só para agravar o cenário, a variedade comida foi o Amanita phalloides, de todas a mais perigosa, de uma fisionomia indecorosa (que me recuso reproduzir nesta página), mugindo sempre como uma vaca mansa, só para enganar os incautos.

A taxa de mortalidade, nestes casos, ronda os 20%. Os sintomas mais graves da intoxicação ocorrem só ao fim de cinco dias. Começam com dores de barriga e diarreias. Daí à hepatite fulminante - e por isso a imprescindibilidade do transplante - é um ápice. Todos os anos se repetem os casos dramáticos. Famílias inteiras...

Ainda faltam quatro dias e meio para poder sossegar. Confesso, Deus meu, estar cheio de medo!

(E tenho de parar de escrever. Sinto algo estranho no baixo ventre. Meu Deus! Será...

Com l'cença, aí vou eu).

 

Branco no branco

João-Afonso Machado, 21.11.10

O mar é assim. Uma revolta contínua contra a terra, a não ser quando vai de férias. Aliás, ávidamente aproveitadas pelos humanos. Nada a opôr... Calmaria à parte, o mais são as ondas, o estrondo, a invasão. Por isso eu gosto dele. Do seu inconformismo. Do modo assassino com que se alevanta.

E porquê? Porquê tantas mortes, tantas famílias cortadas a meio pela fúria do mar?

Pela mesma razão porque, todos os dias, se acabam os dias de tantos nas estradas. Pela sinistra aceitação da realidade. Pela anestesista constatação de que o que é - é.

À margem da tragédia, resta a Natureza. A beleza do seu movimento e da sua fúria. Um agitar de máquinas fotográficas que se aparentam com ela, dita criminosa. Tantas vezes homicida! Mas há momentos da vida em que o grandioso nos faz esquecer os irmãos. Uma culpa colectiva, talvez desculpável. Por isso os cargueiros fugiram para o largo. A milhas seguras. E os mais pequenos, seguramente, ficaram em casa. O mar pronunciou-se. Proclamou a sua má-disposição...

Assim todos o tenham ouvido. Sem mortes, sem dramas, resta o espectáculo. A força das correntes e o ribombar das águas. A espuma e o perigo. A imagem.

(Quantas vezes a imagem não dá o braço ao perigo... O mar é sempre o mar!).

 

A vê-los passar...

João-Afonso Machado, 20.11.10

Não é o mafarrico, no seu inferno verde de picos e silvas, a escarnecer de nós. Nem outra qualquer aparição, igualmente aterradora. É, da cabeça aos pés, ocultos, uma cabra, embora de ascendência francesa. E existe para dar leite, de que deriva o queijo, e os cabritos, sem os quais não há Páscoa nem S. João. Uma personalidade de primeirissimo plano, portanto.

Não lhe são reconhecidos grandes méritos de inteligência. Sociável, vive em rebanho, e o rebanho é composto por crianças, fémeas e, geralmente, um macho só! O maior, fatal garanhão, chefe incontestado.

Por isso, a cabrada dispensa as cimeiras. Não lhe falte é a ração e o prado. Um capítulo em que é extraordináriamente sensível e exigente. Insaciável. A minha guerra fria com as cabras resulta mesmo da necessidade de fraccionar campos e leiras com aramados que só atrapalham, quer a gente, quer os cães. Mas esta sozinha, posta em sossego e desvastando pacamente o seu silvado, dir-se-ia uma excepção. Está realizando uma obra útil e, até parece, tentando decifrar os celestes mistérios. Tantos aviões! E há um imensamente maior do que os outros!... Oxalá acabe esse chinfrim e os humanos regressem à normalidade deles. À tal crise em que lhes escasseia o dinheiro para comerem os nossos filhos.

 

Easy Rider

João-Afonso Machado, 20.11.10

Uma derradeira aceleradela, as mãos aos guiadores enchifrados, e os escapes soltaram-se em viagem infinda. Dennis e Peter iam aí, experimendando a liberdade total. Numa peregrinação de costa a costa, sabemos agora, de poente para nascente. Até à Europa. Valentes Harley Davidson's!

Nestes rumos de gente livre, nunca ficam diários de bordo. Por isso a inexplicabilidade do seu surgimento nas desertas artérias lisboetas. Gostaram! A Avenida do Brasil por sua conta, a Avenida dos EUA um deserto, na Avenida de Roma sempre a acelerar até à Praça de Londres, let's go to Technicall...

Foi quando a brigada os mandou parar.

- Sheet, Dennis, what is this?

- Cool, Peter, cool...

- And Águas Livres? I want Águas Livres. Freedom, man!

- Easy, Peter...

Pouco calhados no inglês, os agentes cumpriram a sua obrigação. Dos sovacos aos rins, perneiras abaixo, apalpando. Desatentos à maconha nos bolsos, ao capacete vermelho-azul-riscas-estrelas de Dennis, pendurado no encosto da máquina, e no chapéu de abas retorcidas, marca cowboy de Peter. A preocupação deles eram armas, explosivos. Guns! A ausência de um tradutor só facilitava.

- Please, it's our treap...

Os agentes prosseguiam a investigação. A dominar a impaciência, Peter e Dennis já cantarolavam:

- Young man! Are you listen to me? Young man! Don't you proud yourself?...

Havia helicópteros no ar. A polícia pareceu sossegar. Esforçou-se:

- The right, next. After, left, and right too, at Marquês and Eduardo VII Park...

- Thank you, officer. And for the Route 66?

- Sorry?

 

 

Barack à chuva

João-Afonso Machado, 19.11.10

Está já confirmado, Barack Obama discursará hoje em Belém à chuva. Não foi possivel autorização celestial para uma mais ensolarada recepção. E se a sua viagem até à Residencial Presidente se fará a coberto, em Cadillac «à prova de práticamente tudo» (segundo os comentadores da TV), o mesmo não sucederá com o 7º da Cavalaria (antigo Regimento dos Lanceiros da Rainha) a quem competirá a escolta de honra do poderoso Imperador americano.

De resto, Lisboa encheu-se de altas individualidades, não deixando qualquer margem para os alfacinhas, assustados, tementes e remetidos ao lar. Por todo o lado, sirenes, motos da polícia, helicópteros, o trânsito vedado aos cidadãos. Incorrigivelmente bisbilhoteiros, os repórteres foram descobrir alguns snipers escondidos, na sua missão de segurança. Teme-se agora pela vida deles, totalmente exposta aos maus propósitos de eventuais terroristas.

Assistimos também à aterragem do celebérrimo avião presidencial americano, estacionado em Figo Maduro, e, com profundo desgosto, soubemos que a Senhora D. Michelle ficou na Casa Branca, cuidando da sua horta.

Enfim, a população lisboeta não parece rejubilar com a Cimeira da NATO. Isto do risco de um atentado no metro tem muito que se lhe diga!... De modo que corre já um abaixo assinado para o próximo evento congénere se realizar na Serra da Estrela. Não há lá metro, Barack gosta de esqui e de raças caninas portuguesas e ainda não provou o melhor queijo do mundo. Além de que os Batalhões Académicos de Coimbra já se prontificaram para garantir a segurança das individualidades, desde a Estrada da Beira até à Torre. Um cenário, de resto, assaz parecido com o Afeganistão.

 

Valença do Minho!

João-Afonso Machado, 19.11.10

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No tempo verdadeiro das fronteiras, essa parte além das muralhas não existia. Apenas o rio, a fortaleza e as suas bocas de fogo e uma estranha rivalidade de sermos povos diferentes (sê-lo-iamos?) riscavam no mapa onde acabavam uns e começavam outros.

Já mais recentemente, foi construida, ligando Valença a Tuy, a Ponte Eiffel (em ferro, para variar), e, só agora, cada vez mais esbatidas as diversidades, surgiu essa pista quase aeronáutica. Onde as placas com os dizeres "Espanã" ou "Xunta da Galicia" tem o mesmo efeito daqueloutra - "Gavião", prenúncio da minha freguesia...

Seja como for, quem dera aos galegos a imponência de Valência nossa. E a beleza da vilória dentro do forte, onde eles se deslocam amiúde. Esta é, na realidade, a "fronteira" portuguesa mais atravessada.(De uma ponta à outra do Rio, é um mar de emoções, um mundo outro; nada parecido com qualquer passeio a Setúbal...). E, dizia, o movimento suplanta, à vontade, a de Chaves, de Vilar Formoso, do Caia, de Vila Real de Santo António).

Também nestes dias que antecedem a enebriante Cimeira da NATO, Valença foi alvo de atentíssima vigilância. Tal como, aliás, Cerveira e Monção. Mas nada de anormal foi detectado: nem droga, nem armas brancas, nem panfletos subversivos, nem parentes ou aderentes de Bin Laden. Somente galegos, vindos às compras ou a uma almoçarada no Minho. Será anacrónico falar em divisas?

 

 

O drama de uma Mãe

João-Afonso Machado, 18.11.10

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É um crime que data de 2005. Nada a que não nos vamos habituando já, complacentemente, até porque as vítimas são sempre os outros. Notícias de jornais, acontecimento que abala o bairro, vá lá, umas semanas de perturbação, e depois o esquecimento. Sempre assim é, num permanente meio-caminho andado para a impunidade.

O Diogo foi sovado até à morte - por quem? os vândalos do costume? - à porta de uma qualquer discoteca portuense. Rondava os vinte anos. Veio a polícia, abriu-se o inquérito, cumpriu-se escrupulosamente toda a via sacra processual. Para, no fim, se chegar a nada. Ou seja, à impossibilidade de identificar os agressores e homicidas. Que a estas horas se rirão da proeza, se não mesmo a repetiram já. É assim a noite actual: um risco, uma ameaça, a violência gratuita.

Mas alguém não se conforma. Jamais! A Mãe do Diogo. E todos os anos, a cidade é invadida por cartazes como este, geralmente invocando a data bárbara do maior desgosto da sua vida - a morte do filho. O seu assassinato e a inépcia da Justiça.

Desta feita, a sua revolta não esperou o momento da efeméride. Do que se alcança, os resultados da autópsia anunciaram-se vagos, inconclusivos, incapazes de ajudar a deitar a mão aos criminosos. E aquela Mãe desesperada, falando em voz alta e escrita firme com o Filho, jura-lhe que não se resignará. Que os seus dias serão a sua caminhada, sem fim à vista, até ao covil das feras.

Já assisti à Senhora na televisão, num desses programas matinais, imagem viva da dor e da saudade. Porque o Diogo, seu único filho, era também a única presença no seu coração. Que assim prossegue à procura dele, Diogo, através da recompensa que a Senhora julga ser-lhe devida: a punição dos matadores.

Oxalá consiga os seus intentos. E oxalá saiba serenar depois.

 

Político sofre...

João-Afonso Machado, 17.11.10

A cena decorreu à minha frente, real, verdadeiríssima. Num desses meus atarantados passeios ao Chiado, quando admirava um Fernando de Pessoa de bronze, sentado à mesa, também bronzea, no seu ar de eternidade e arte. De olhos postos em... Francisco Louçã, acabado de chegar, espreitando uma mesa vaga. Era sábado, dia de visita às livrarias, pensei logo. E de facto: assim se acomodou, Louçã deitou a mão a um livro, tirado de um saco de plástico, e pediu uma bica. O que será uma bica?, interroguei-me, enquanto o famoso político se deliciava já com as primeiras páginas - o prefácio, certamente - da sua aquisição.

Lastimei-o, sinceramente. Em menos de um fósforo, uma senhora de meia idade, envolta em requintadíssimos perfumes e roupagens condizentes, abordava-o sugantemente:

- Desculpe o atrevimento, Dr. Louçã! Não se lembra de mim?

Manifestamente não, não se lembrava. Muito menos da sua invocada qualidade de amiga da Joana.

- Da Joana Amaral Dias!...

Louçã sorriu. E, manipulando o livro, insinuava a sua vontade de sossego. Era sábado, que diabo! Debalde...

- Não há palavras! Com esta crise e o Pinócrates a passar férias num resort no Algarve! Olhe, eu contentei-me com Vilamoura, neste perído horrivel...

Louçã era todo esgares. Um político, mesmo da extrema-esquerda, não fala tão alto numa esplanada, ou então usa o megafone, enquanto distribui aventais.

- E depois tem a lata de dizer que não estamos em crise! A mim, que tive de ir para Vilamoura!... E ele a desperdiçar as economias!

- Minha Senhora! Creio estar enganada. Não nos conhecemos, até porque as minhas férias passo-as nos Açores. Quanto à Dra. Joana Amaral Dias...

- Uma querida, a Joana. Mande-lhe beijinhos, tá bem? E quando estiver com o nosso 1º, diga-lhe que se cure da sua socratinice aguda...

- Minha Senhora!...

- Adeusinho, adorei vê-lo. Dê cá uma beijoca... Francisco!

O empregado chegou finalmente. A madame intimidou-se e debandou.

- Por onde andou você? Foi ao México? Não sabe o que lá fizeram ao camarada Trotsky? Tenha paciência: traga-me antes um chá de camomila...