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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

E chegar lá?

João-Afonso Machado, 14.11.10

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É uma caminhada longa, penosos caminhos, floresta densa. E depois, a clareira. Antigas luras de raposas, tantas recordações de infância, e os penedos, sóbrios, hirtos, num silêncio sem fita métrica que o alcance. Um castelo? Um esconderijo? Uma fortificação? Nada disso, apenas a Natureza. Aqui, onde a rocha não sedimenta nem metamorfoseia, emergiu um dia, sabemos nós quando...

E poucos são os que chegam a estas penedias. Esconde-as o tempo. Escondêmo-las nós, na nossa aversão às devassas. Esconde-as o arvoredo, a cujo nascimento o granito assistiu, esconde-as a lenda, a fábula, o mistério das suas formas.

Porque Endovélico ainda era deus quando um dia descansou à sombra delas. Digo eu. Porque muitos foram as maltas de gatunos que se atalaiaram entre os blocos, de bacamarte apontado a qualquer triste almocreve. Porque não ia embora o cheiro das ginetas, quando - aqui d'El-Rei! - as capoeiras do vale levavam sucessivas razias nocturnas. Porque, também, ali emboscado o guarda-florestal (querido velho Amigo Luís! jamais esquecido!) de arma aperrada fazia a sua espera ao predador, o piopardo, como ele lhe chamava.

Relatos é o que por estas bandas mais se iguala à água das fontes - na sua fartura. Mas a vivência, a proximidade, o contacto, isso, por muito que muitos insistam, é reservado a muitos menos - a nós e aos nossos, tudo abrangendo a confiança e a amizade. Bens raros, esparsos, visiveis nos gestos e geralmente pouco palavrosos.

 

Esforços outonais

João-Afonso Machado, 14.11.10

O restolhar no folhame, percebi, era algo intimidatório. Seriam os sapatos adequados àquele matagal?... Comecei logo explicando, o Outono não morde... Sequer é frio

(- Deixe lá o discurso tropical...),

e faz bem às crianças, enrijece-as, lava-lhes os pulmões. Depois, é colorido, à sua maneira, claro. Mas cada estação guarda ciosamente as suas cores. Virá ainda o Inverno e a alvura dos seus nevões, não nos precipitemos... Aqui ninguém tem pressa.

- Olhe à sua volta, regale-se com este mundo de castanhos...

Parecia mais amena. Notou a abundância do musgo, a humidade escorregando no granito, impregnada no ar...

- Claro, não fora assim, onde o apanhar para forrar o presépio?

Minho sem humidade não é Minho. Como não o seria sem esta eterna melodia das águas das fontes, um fartar delas, basta olhar em redor.

- Daquela lá ao fundo, vê?, bebe-se da milagrosa. Não há desidratado que não ressuscite, se lhe acerta com a boca...

E por aí fora, sob as tílias, a caminho dos cedros. Afinal, as solas tinham sido excelentemente escolhidas. Aderência total, num terreno onde a humidade também gosta de pregar a sua partida aos mais incautos.

Ainda não chegou o tempo das luvas e das galinholas alando-se de entre os fetos. Dessas voltas matinais com os cães, exigindo depois a feijoada, o bom copo, a sesta dominical. Para já, é o Outono. Uma amostra. Quem vem de fora, deve ser cerimoniosamente recebido aqui na região. Quer dizer, cautelosamente. Muito esmiuçadamente. De modo a que não subsistam dúvidas: sem frio, não há aconchego da lareira; sem chuva, sofreriamos todos o mutismo das bicas e dos fontenários. Ora isso são desastres que bem podem ir ocorrer na terra dos outros... Apenas lá.

Tem sido, em suma, uma negociação bem sucedida, o trato está quase firmado. O lugar é meu, garantem-me - vou ser guia turístico finalmente...