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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

A cadeia falimentar

João-Afonso Machado, 11.11.10

Cá para cima, as falências são um sucesso, a total erradicação da obesidade. Já não há, a norte do Douro, nem colesterol, nem empresas. Práticamente. Obra e graça dessa miraculosa mezinha, actualmente denominada - a insolvência. Um genérico. Mais barato, mas de idênticos efeitos laboratoriais. Abençoado Progresso! Abençoado Estado Social!

O princípio quimico para obstar à elevada taxa de acidentes cardio-vasculares é simples e assenta na despropositada realidade de o operário casar, e constituir família, com a operária que trabalhava no mesmo turno, anos a fio. Colocados ambos no desemprego, como permanecerão alimentando-se de carne, manteiga e outras gorduras? Privações, continência no prato, eis o que preconizou o Regime. E, num ápice, os gordos transfiguraram-se em esqueléticos, já sem forças nem bolsa para, sequer, levar os filhos à escola.

O caso do dia é o da Maconde, Mac-Moda, etc. e tal, em derivações designativas de uma mesma agonia prolongada. Sejam bem-vindos, todos os trabalhadores resistentes, ao metafísico mundo das privações materiais.

Se bem me entenderam, falo a sério. Acabaram os rojões, o sarrabulho, a tainada. Esses deploráveis vícios minhotos. Toca a comer arroz com arroz. Confúcio dixit.

Uns pormenores, apenas: é de temer, a mudança seja demasiado brusca; a ociosidade provoca o cancro, já os anarquistas preconizavam; e o nosso povo, infelizmente, talvez não consiga interpretar estas pedagogicas medidas, tão a propósito implementadas no centenário da República. Daí à revolta contra este benfazejo Estado pode ser apenas um - injustíssimo... - passo.

 

Um "ponto" da montanha

João-Afonso Machado, 11.11.10

Fria manhã branca da geada. O ideal para esquecer os dramas da Medecina por esssas serranias durienses. Saiu, despontava o sol, a arma dilecta ao ombro e o navarro, irrequieto ainda, sempre a adiantar-se...

- Lego, aqui Lego! Anda cá!

Mas a resposta veio de trás, ofegante:

- Mestre, eh Mestre!

Bolas! - exclamou só para si - Deve ser ele. A cravar-se outra vez. Que mal fizera às divindades, enfim? Nem ao domingo, um pouco de descanso?

- Então meu rapaz... Aonde vais tu?

- Mestre, era meu supremo desejo acompanhá-lo nesta caçada. Minei as fragas onde o sol e a neve / Pintavam panoramas só de fora / e da alma da serra, fresco e leve /...

- Calminha aí, jovem, que isso paga direitos de autor! Lego, já aqui!

- Pois haveis posto o meu nome ao vosso nobre animal, Mestre?

- O teu nome? Sonhas, rapaz! Lego, construção, um cão faz-se, entendes tu?

A barba do recém-chegado eriçava-se hermeneuticamente. A sua voz trinou, carregada de gravidade: Pergunto ao vento que passa / notícias do meu país / e vento cala a desgraça / o vento nada me diz.

- Eh pá, essa já todos conhecemos. Não te saiu mal... Mas, também, quem te mandou abalar do País? Ficavas aqui na terrrinha, como todos nós. Olha, a trabalhar, por exemplo.

- Vamos então, Mestre?...

- Não, não vamos. Ou por outra: tu vais aí pela esquerda, eu sigo pela direita. E cuidado com as fragas, não te fuja o pé. Adeusinho!

- Que lei rege o poeta, ninguém sabe; / que arcanjo o vela, também não./...

- Lá decorar decoras tu bem...

(Como os papagaios... - pensou - Gaita! Eu hei-de estar morto e este chato a dizer os meus poemas em cima da minha campa!).

- É verdade, Mestre, tenho muita honra em convidá-lo para mandatário da minha campanha à Presidência da República...

- ???!!! - Corre Lego, corre. Não te deixes ficar para trás. Mexe essas pernas!

- Oh Mestre! Ao menos só por Coimbraaaaaaaaaaaaaa!