Podia ter sido pior
Ela levara já o primeiro susto ao vê-los correr desenfreados no campo
(- Então porque não? Contentes, felizes, a esticarem os músculos... Não, não atropelam as pessoas...),
mas quando viu o rapaz, muito afoito, água adentro, o terror espelhou-se-lhe no rosto:
- E ele vai ficar daquela côr? Verde?
Expliquei que não. Tratava-se de um simples mergulho, umas braçadas. Rotinas. Por vezes é preciso ir lá buscá-las...
- E o sofá?
O sofá, claro. Beje. Novo ainda. Comecei a perceber.
- O sofá? Lindíssimo, confortabilissimo. Mas a que é chamado aqui o sofá?
Um pouco a medo lá foi argumentando: um desses cãezinhos de colo, no sofá, ainda vá que não vá. Mas estes cavalos de corrida, enfiados na lama e nos limos... em casa... Nossa Senhora, em casa... o que sobraria da casa?
E não queria acreditar, eles sabiam viajar de automóvel, dormir nas suas camas, comer à mesa, passear comigo na cidade, qual trela, qual vassoura, quais cheiros insuportáveis?! Andando por ali umas perdizes, convidei-a a um passeio até à vinha. Ficou extasiada com a paragem do rapaz, a sua corridinha de regresso, trazendo a peça na boca
(- Dá cá ao pai, meu rapaz, dá),
e a meiguice dos seus olhos, enquanto lhe agradecia com umas festas nas orelhas.
- E não vão mesmo à rua com trela?
- Pois não! Para quê?
Partimos no dia seguinte, o rapaz muito sossegado no seu cantinho do carro. O frio já se fazia sentir e, ao serão, ligámos o aquecedor. Ele pediu licença e estendeu-se ao lado, a dormitar, a gozar o calorzinho. Depois recolheu aos seus aposentos, na lavandaria.
De manhãzinha, fomos todos passear, com uma breve incursão ao supermercado. O rapaz ficou cá fora, à espera, embora não fume.
E assim foi sendo, até hoje. Com um internamento pelo meio, numa clínica veterinária, em que o acompanhou extremosamente. Tal como agora, mais do que nunca, quando a idade do rapaz recomenda caldos de galinha e todos as cautelas com que a Filipa o presenteia.