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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Arqueologias

João-Afonso Machado, 01.11.10

O tordo perdera o comboio de regresso e foi ficando, estava cá no dia em que o apanhei com a máquina. A poisar, acabadinho de chegar de umas silveiras, onde trinava. E atrás de mim, então, uma voz inesperada:

- Interessante megalito...

(o esteio de uma ramada, já inexistente, de onde o tordo se alou, no maior alvoroço). A interpelante, essa, descia vagarosamente o caminho, muito sorridente, muito comunicativa. Não digo fosse citadina mas, sem dúvida, as suas roupagens não eram as mais adequadas àquelas andanças.

- E está classificado?

Eu não contava ser mentiroso. Mas a promoção do pobre esteio, com um pedaço de ráfia atado na ponta, seu único adorno, a tão nobre e veneranda condição foi mais forte. Além de que a vizinhança recebe turistas, há que valorizar a terra, puxar por ela.

- Com certeza, minha senhora. Classificadíssimo. Com notas elevadas, aliás.

(Até porque os seus congéneres, não reutilizados como ponteiras nos bardos das vinhas novas, fácilmente se vendiam, à mingua de gente para trabalhar o granito).

A senhora quis saber tudo. Expliquei-lhe a ligação daqueles monumentos à vitivinicultura. Desde tempos imemoriais. Dos celtas, talvez...

- Mas o vinho é assim tão antigo?...

Rematei logo, a controlar a temática:

- O vinho palhete sim, minha senhora. O vinho rosé - rosado como os celtas, na cútis. Olhe, como os ingleses que inventaram o vinho do Porto...

Ela permaneceu uns segundos em silêncio, encantada.

- Há uma ligação profunda entre estes megalitos, apontados ao firmamento, e o culto da morte. Ou mesmo com a fertilidade, com o culto da vida...

Entre a vida e a morte, prestes a estoirar em gargalhada, que certamente ofenderia tão distinta arqueóloga, pretexteei uma urgência qualquer e despedi-me. Não podia, nem queria, estragar o negócio turistico dos meus vizinhos.

(Mais além, jaz um túmulo pré-romano,efectivamente. Não me ofereci para o mostrar: podia confundi-lo com alguma talha de azeite e não se deve brincar com o sacro).

 

Estão aí os portugueses; e o Estado, onde está?

João-Afonso Machado, 01.11.10

Para os mais desatentos, como eu, uma recente sondagem da Universidade Católica traduziu uma novidade absoluta.

Versava a mesma, essencialmente, duas questões, ambas relacionadas com o Orçamento de Estado para 2011.

Quanto à primeira, 55% dos inquiridos pronunciaram-se a desfavor do aludido documento; não obstante, 54% concordaram na importância da sua aprovação para o futuro do País.

Já a segunda incidia sobre a anunciada greve geral - a merecer o beneplácito de 59% dos "sondados", conquanto 66% não tencionasse aderir.

As conclusões parecem claras: os portugueses perceberam que o Governo lhes quer ir aos bolsos, através da tributação, de modo algum para melhorar a sua qualidade de vida (através da criação dos necessários equipamentos ou comodidades), antes para, à descarada, realizar meios financeiros bastantes à cobertura da despesa do Estado.

Em suma, constataram a existência da famigerada crise e resignaram-se com o facto. Declararam o seu protesto mas dispuseram-se aos sacrifícios. O que é sintomático e encorajador: os portugueses, acima dos seus prejuizos pessoais - de que os governantes são causa e culpa - valorizaram a crise nacional. Em segura demonstração de maturidade.

Portugal tem, portanto, um Povo. Não tem é Poder nem Autoridade politica. Logo, não tem Estado. Terá, ou será, apenas, uma tradição. Uma Cultura, vá lá.