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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O ás do pedal

João-Afonso Machado, 30.11.10

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«(...) Foi uma corrida disputadíssima (...). O vencedor individual (...) viu a sua façanha muito facilitada quando encetou uma fuga em Fradelos e uma manada de vacas se atravessou na estrada, tolhendo a passagem aos seus perseguidores. Afirma quem viu - não eu, então ausente - que na "vertiginosa descida de S. Tiago da Cruz atingiu-se a velocidade estonteante de cem à hora"!».

(in Famalicão - uma Vila que se Inova, Biblioteca Oito Séculos, Quasi Edições, 2006).

 

Era assim em 1952. Hoje os ciclistas famalicences aprenderam já a voar. Como bem se constata... O Tour nunca mais deixará de ser nosso!

 

Pena é não surjam mais

João-Afonso Machado, 30.11.10

Prós e Contras. Um programa pouco fiável, por razões a todos óbvias. O tema derradeiro foi a invasão do FMI e, entre os mais convidados, não falhou a presença de Henrique Medina Carreira. Dos poucos homens a merecer atenção neste País posto em hasta pública.

Como seria de esperar, falou sobre a economia nossa. Para dizer algumas verdades frias qual punhais. De gráficos em punho.

A demonstrar, por exemplo, que «em Monarquia havia democracia». Ou - e apontou o dedo - «os Srs. colaboram com o engano» ( o nosso, o de todos nós, povo incauto). Incauto? Talvez nem tanto - «acha que Portugal dá grande crédito à gente que anda por aí?»...

Gosto da ideia e gosto da forma da sua expressão... A gente que anda por aí...

E mais o que há muito é visivel: entre os partidos politicos, hoje «não há diferenças significativas». Claro que não: há é o Benfica, o Sporting, o Porto e os tachos.

Daí a sua conclusão: o PS e o PSD não podem coligar-se. Porque «não há lugar para toda a clientela».

Daí, sequentemente, a enorme gargalhada da assistência. Pois!

 

Guerra civil no Brasil

João-Afonso Machado, 29.11.10

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 Não é com especial entusiasmo que irmano estas duas bandeiras, dignos símbolos da desdita dos nossos povos. É por isso mesmo, por me lembrar dos ciclos de desgraça ligados à sua História: a dos portugueses de Oitocentos, rumando o Brasil em busca de fortuna; quantas biografias de sucesso, quantíssimas de dor e fracasso?! E a outra vaga, pós Revolução abrilina, de tantos a protegerem, ou a refazerem, a sua fortuna, - a sua fortuna, sempre...; ou, simplesmente, empurrados, País fora, pela sanha persecutório-vanguardista... E, por fim, o movimento inverso: o dos brasileiros dos dias de hoje, fugidos à miséria ou... à guerra civil.

Exactamente, à guerra civil. Larvando há anos, e ora em estrondosa deflagração. Um conflito onde, ao menos, parece muito clara a destrinça entre os bons e os maus. Por isso, condimentado com uns pós de empreitada policial. Mais as centenas de militares e as dezenas de tanques e os helicópteros vigiando os céus. Ontem a bandeira da República brasileira foi hasteada no topo da favela do Alemão, empolgadamente, como se em Iwo Jima.

Ainda falta morrer muita gente. Os morros cariocas são como as montanhas do Afeganistão. S. Paulo à parte. A culpa é do Mundial de Futebol e dos Jogos Olímpicos - por não se agendarem mais cedo no Brasil...

 

 

Cai o pano

João-Afonso Machado, 28.11.10

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É a nossa hora difícil, todas as semanas. O sol desce no horizonte, nesta tristeza de Semana Santa, a querer que acreditemos, ressuscitará. Pois sim, mas só no próximo fim-de-semana... Até lá, tornaremos à política, à crise, ao trabalhinho que nos sustenta. A barra talvez perca a compustura e, se já não é a assassina de outras eras, ainda obriga muitos desgraçados a segurarem-se nos bordos das embarcações.

Nas margens, os reformados e as suas canas-de-pesca. Mais umas lascas de futebol e as privações do dia-a-dia servindo de engodo à conversa. Para o interior, onde a cidade é evidente, são os escritórios, as repartições, as empresas, os telefones. Entre os rurais, o que S. Pedro e a meteorologia quiserem. Por todos os cantos, nós todos, resignadamente perfilados ante a rigidez do quotidiano. Até ao soar das ansiadas badaladas, lá para a tardinha da próxima sexta-feira...

 

 

Em três etapas

João-Afonso Machado, 28.11.10

Há um tempo da nossa vida em que os percursos do rali se tornam evidentes. Longe vai o arranque, esse olhar maravilhado sobre a máquina, o último grito, a tecnologia dos poderosos. Mais à frente, chegará o desdém pelo obsoleto, a adesão à modernidade. O sonho de outrora é então um chasso. E a gincana prossegue com direcção assistida, outra aerodinâmica, estabilidade e conforto.

Mas o dia do reencontro aguarda-nos sempre. Do reencontro, connosco mesmo, entenda-se, através da recordação do que venerámos antes de desprezarmos. Torrente imensa de memórias, ponderada selecção entre o bom e o mau. Par et passu, tantas vezes, com velhos ensinamentos de velhos sabedores a quem, em outras tantas vezes, não ouvimos.

Nada disto traduz o culto do saudosismo. Há um aspecto em que somos extraordináriamente parecidos com os automóveis: não surgindo as avarias, o caminho é para diante. A marcha-atrás nunca será mais do que uma manobra de recurso.

Para diante, como este Porsche 356, o modelo com que a marca se apresentou no mercado. Vai lá mais de meio século. Pois nem por isso esmoreceu a sua utilidade, a sua performance. Como a nossa capacidade de criar, construir a obra. Antes de partir - não em frente, mas para cima...

 

O maior do mundo, aposto

João-Afonso Machado, 27.11.10

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Moure, Vila Verde. Em mil oitocentos e troca o passo. O cocheiro passa e comenta, entre solavancos e lama que espirra:

- Valente eucalipto! Fresca sombra...

E prosseguiu, o chicote estalando, ainda tinha umas léguas pela frente até Ponte do Lima...

Muitas outras léguas, muitíssimas, correu o tempo. Essas léguas chamadas décadas ou, postas num molho, séculos. O eucalipto, sem querer saber da estrada, entretanto empedrada, depois alcatroada, continuou a trepar e a ganhar corpo. A espalhar a sua frondosidade num redor cada vez mais largo. E a atrair a atenção dos passantes. Não foi por acaso, nas suas costas alguém se lembrou de construir um imponente restaurante e o convidou para padrinho. Que sim, aceitaria - desde que o baptizassem com o seu nome: "Eucalipto".

(Na época dos tordos, era ponto de paragem obrigatório, no regresso, para a almoçarada da praxe; sacratíssimo cabrito, abençoado lombo assado!)

Mas esta maçada das auto-estradas desvia-nos da vida. Nada sabemos do que vai acontecendo. Foi, para mim, uma notícia tristíssima: o eucalipto de Moure - faleceu.

- Com foi? O que aconteceu?,

- Tivemos de o cortar...

respondeu o interpelado, nada conformado, mesmo com cara de quem vota contra a eutanásia. Descobri-me e disse uma prece. O eucalipto, apesar de tudo, ficou memorizado em estátua. E deixou dois filhos gémeos, ainda menores. RIP.

 

Rumo ao mundo perdido

João-Afonso Machado, 26.11.10

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Programámos esta viagem além- águas, carreada de riscos. E embarcámos, finalmente, um nó na garganta... Regressaríamos? A aventura começou no embalo de um meio frágil, a todo o tempo sincopando por acidentes vários, atemorizantes. Já só viamos desgraças pela frente. Cada minuto, cada momento de vida ganho. À nossa volta, um enxame de gente exótica, calções, havaianas, um falar peculiar, incompreensivel, quase.

Mais os macacos que se penduravam nas varas - macacos de cauda longa e retorcida - e uma ameaça calada de serpentes... Anacondas, forças constrictoras, o abafo... E os caimões, as onças, a enciclopédia toda. Sob a camisa, pús a mão na faca afiada, sempre serviria para cortar qualquer coisa. A viagem prosseguia, índios, negros e brancos - escassa minoria - em busca do porto final, de uma refeição capaz, finalmente. Já tinhamos perdido a noção da aventura.Ou melhor: refaziamo-la: aventura ou loucura?

O homem do leme parecia indiferente aos nossos temores. Avançava. Contra tudo e contra todos - continuava a avançar. Num galope só contrariado pelas correntes adversas.

Mosquitos, melgas, um cheiro nauseabundo. Não me peçam para o defenir. Era o pântano, eram as gentes, era o aperto. Até que a voz correu: por agora, a viagem atingira o seu termo.

Acostámos, então. A tarde ia pelo meio. A Amazónia é um mundo estranhíssimo. Um labirinto de cursos fluviais. Tínhamos chegado ao seu coração. Saltámos a terra, já enjoados daqueles costados laranja, fumegantes e solavancados. A terreóla chamava-se Sete Rios. O porto, Zoolândia. Desembarcámos de máquina fotográfica em riste. Os primeiros disparos atingiram este par de araras.

 

Greve total

João-Afonso Machado, 25.11.10

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Com eles a greve foi radical. Prolonga-se há já uns anos, sem termo à vista. Os ardinas calaram de vez os seus pregões. Abafados pelo vozear de uma cidade simplesmente transformada em multidão aos encontrões.

Como não ser saudosista? Foi para esquecê-los que alguém se lembrou de erigir a estátua do ardina? Cá em baixo, na Praça da Liberdade, em plena esquina dos Congregados - onde era um sem parar das suas sacolas e de títulos, nos idos dos matutinos e vespertinos...

O coração tripeiro batia diferente, então. Talvez mais jovialmente. E muito ritmadamente. Por exemplo, pela voz da Alexandrina do Portal, comunista dos quatro costados, garrida como os Avantes sempre presentes na sua banca de jornais. Mas quando a Câmara questionou a legalidade do seu estabelecimento (armado e desarmado todos os dias, à chuva ou ao sol, claro), não houve na Baixa quem não se pusesse do lado dela, ai de quem tirasse dali a Alexandrina! Levou-a somente a idade, em data que perdi, na certeza de ter sido muito bem recebida lá em cima.

Ou pelo plurigeracional hábito do lanche na Arcádia. No fim do dia, saídos do escritório do Patrono, ainda advogados estagiários, uma cervejita e um olhar em redor, a ver quem estava... Chegaria, entretanto, o eléctrico, a pardalada chilreando ensurdecedoramente nas árvores da Praça, bombardeiros implacáveis sobre as paragens dos transportes públicos. Era noite, urgia regressar. E sempre assim foi, até as manhãs e as tardes terem cessado na Praça. Numa greve geral e final.

 

O Prado: memórias e histórias

João-Afonso Machado, 24.11.10

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Reza a lenda, era um senhorio de uma filha d'El-Rei D. Afonso III. Senhora líndissima, por quem um cavaleiro se apaixonou e, dada a extensão do rio, mandou construir uma ponte a facilitar-lhe as visitas. Amor sem freio, trabalho de muitos, história perpetuada. Como em qualquer lenda, mentira dos dicionários mentirosos, verdade da Vida, o seu lado real denunciando a realidade perversa da vida. Foi assim! Ponto final.

Depois vieram os séculos, amontoando-se. A Vila do Prado, do concelho de Vila Verde, manteve-se esse lugar de amores, nas margens misteriosas do Cávado. Despretensiosa, rural, alimentando um comércio vago, pacato, e a estrada para Ponte do Lima, ruído único na terra. Ir ao Prado era recordar anos de paz e sossego.

Eu era cliente. Sempre com a cana de pesca, porque os afluentes do rio regorgitavam trutas. De um ano para o outro, tudo mudou. No meu poiso preferido para armadilhar com o anzol, no ápice de uns meses, nascera um cogumelo, digo, uma urbanização. Lembro a estranha sensação em que as botas poisaram, quando lançava a linha. Olhei para os pés - eram os restos mortais de um frigorífico. E no fundo das águas proliferavam os pneus, a sucata, uma obscenidade total.

Nunca mais voltei.

Aconteceu a semana passada. Esgazeei pelo Prado. Ainda lá está o pelourinho, orgulho da vila. E uma botica, duplamente centenária. Mais a pracinha, toda a coçar-se da construção civil que a tomou. Prédios e prédios, quase tantos como os cartazes das imobiliárias - «Vende-se»!

Pois vende. Entre nós, está tudo à venda.

O que jamais conseguiremos recomprar é aquela quietude de vida. Onde o tempo não mandava - cumpria.

 

Entre a revolta dos elementos

João-Afonso Machado, 23.11.10

As tempestades humanas são incomparávelmente mais inestéticas do que as naturais. Não há vozes nem gestos mais expressivos do que os das águas e dos ventos. O belo, realmente, só tem de feio o mal causado aos homens. Porque vasto bem lhes proporciona, no agitar dos oceânos, no uivar das tempestades, ou nos choques de luzes que relampejam, rasgam, os céus.

E não há conturbação que não afecte o mundo animal. Onde os dramas, quem garantirá não possuam alma também?

Reina a ebulição entre o liquido e o gasoso. A andorinha-do-mar, desorientada, assustou-se. Pela penugem, percebe-se ser um juvenil. Está sozinho, poucos são os da sua espécie expostos à observação. Sorrateiramente, aproximo-me, à cata da fotografia. De olhar posto nas ondas, o frio levanta-lhe as penas, faltam-lhe as forças. Nem se preocupa comigo. Hesita. Vai lançar-se à ventania, ou não? Está em terra como um náufrago. Como todos os que não estão no seu elemento natural.

O ar corta-lhe a respiração. Confunde-a. Nasceu entre a brisa, conhece agora algo parecido com o ciclone. Mede as suas próprias forças. Há muito mar, até poder descansar outra vez. Estou a vê-la - respirou fundo e piou: seja o que Deus quiser! Lançou-se no espaço.

Um minuto das nossas vidas - da minha e da dela. Alguma vez tornaremos a encontrar-nos?

 

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