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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Rio abaixo...

João-Afonso Machado, 01.10.10

Podia ser uma amazónia qualquer e uma ave aquática em perigo, cercada por piranhas. Mas não. Apenas um cardume de tainhas e um pato doméstico, gozando os sabores de uma boca de esgoto, no Douro, não muito longe da foz.

Justamente, o ponto mais deprimente do passeio principiado lá atrás, na Ribeira. Somos chegados aos históricos estaleiros do Ouro. Onde as embarcações já não são construídas nem reparadas, e apenas um escasso grupo de carolas mantém as suas lanchas e nelas lança as redes no mar.

Impera o desarrumo e a sujidade. Faces estranhas, agoirentas, a convidar estuguemos o passo. Não há que enganar: aquele, mais velhote, vive enfunado na tasca, a mulher ao lado é uma regateira do mais fino quilate, o rapazelho passou a madrugada a escrever obscenidades nas paredes - acordou agora e prepara-se para uma voltinha até à Sé, à sua dose diária. Tudo são olheiras, expressões viciosas, ausência de sentimentos.

E sucata e lixo. A ribeira de Lordelo sobe, de repente, à luz do dia, ela que vinha encanada nem sei de onde. Recolhendo sempre os dejectos da cidade, ali escrupulosamente depositados no rio. E a volúpia das tainhas, a sua atracção de sempre pela porcaria. Os pescadores da zona, idosos e reformados, por norma, quase que as afugentam à paulada. E como o robalo escasseia, vão-se contentando com as enguias. Ao menos é peixe de fundo, ninguêm vê o que come...

Não sei porque comecei a manhã com imagens tão negras. Mas logo a seguir - que alívio! - vem a Cantareira (onde nasceu o Chico Fininho...), depois o Passeio Alegre... O Douro recuperará a sua beleza, o dia enche-se de gente sadia, a pesca é outra, o sol reapareceu... E só pela madrugada a maré baixará, pondo o lodaçal, em toda a sua nojeira, outra vez à vista. Rejubilará a tainha, enquanto os seres normais dormem descansadamente.