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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Tardes calmas, brevíssimas

João-Afonso Machado, 31.10.10

Dei pela escuridão agora mesmo e espantei-me. Olhei para o relógio - é verdade!, a hora mudou a noite passada. O inverno avança sem rebuço. Já paira no ar o cheiro a rabanadas e as cameleiras principiam a florir.

E as tardes correm calmas. A própria Crise, dir-se-ia ter recolhido a uma toca qualquer. Aonde? Em que empoliticado blogue? Nas poucas horas em que o sol abre mão de alguma luz - bem molhada, por sinal - o Minho vai-nos presenteando com as suas cores da época.

Percorro com a memória as estações do ano e sinto a dificuldade enorme de eleger a mais bela. Talvez seja mesmo a outonal, por essa diversidade, pelos cambiantes, pelo calmo andar da natureza, sempre a caminho da renovação. Com um breve intervalo, quase aí, - o verão de S. Martinho. Os magustos, outra patuscada para esquecer as maleitas nacionais - a não ser que os esquilos se antecipem, também esfomeados, e nos levem as castanhas todas. Ainda hoje topei um, sentado num souto, equilibrado na sua repolhuda cauda e abrindo um ouriço com invejável e eficaz habilidade...

 

De volta a casa

João-Afonso Machado, 31.10.10

Basta a travessia da ponte. À cidade ou ao campo, é o regresso. O chegar aos nossos, agora que a meteorologia recomenda a lareira, o aconchego, uma paragem nas traiçoeiras rotinas do trabalho e de males afins.

Inesquecível tempo das coisas simples

(- Há robalotes no Freixo! Vens?)

e caseiras, estamos nós, está o meu veterano canídeo, depois de tantos anos no monte, está o jornal, o livro, a caneta

(- Não, se o homem da revista telefonar, diga-lhe que viajei para a Nova Zelândia),

e está a minha vontade de só fazer o que me apetece. A minha soberaníssima vontade, aliás.

Por isso fico espreitando o rio, não tarda a crescer em galopes de corrente pelas margens menos precavidas. As gaivotas andam muito por terra, sinal de mar aos berros por uma máquina fotográfica.

(- Um saltinho lá a baixo, à foz? Porque não?).

Isto, é claro, se outro não for o leito do rio, mais a norte - ou muito mais, ou nem tanto mais a norte -, curso estreito, as veigas já alagadas, chove, chove, chove... Junto a paredes de granito, testemunhas de invasões, revoluções, convulsões, sempre serenamente, sempre de granito. Não há - digo eu - República que as derribe. Nem ciclones, nem trombas-de-água.

Estar em casa é isso. É estar entre nós e connosco mesmo

(- E se assássemos umas castanhas?

- Não esqueça o jarro de água-pé...).

A ouvir todas as lições do silêncio, nos antípodas das querelas e das doutoralices.

 

Declarações para memória futura

João-Afonso Machado, 30.10.10

«- Sr. Mário Lino, parece que enviou alguns recados comprometedores à Sra. Secretária de Estado...

- Pardom?

- Se pediu à Sra. Ana Paula Vitorino favores para...

- Jamé!

- Desculpe, não concluí. Perguntava-lhe se...

- Se quá?

- Quá, quê? Se pretendeu interferir na REFER...

- Na REFÊ? Qué çá?

- Nos comboios, Sr. Mário Lino. O Sr. parece que procurou tratamento de favor...

- Favâr? Jamé!

- Qual quê! O Sr., então Ministro das Obras Públicas,...

- Obre publique? Que cé çá?

- Sr. Dr.!

- Je ne comprende pá...

- ...

(Sr. Oficial - escreva aí: "Nesta altura, o Senhor Magistrado deu por finda a sessão, adiada sine die, e proferiu o seguinte despacho: dada a incapacidade do antigo Ministro das Obras Públicas da República para entender o interrogatório efectuado, nos termos processuais legais, em língua portuguesa, dou por suspensa a inquirição e ordeno seja notificado o Ex.mo Sr. Dr. ... , licenciado em Filologia Românica, para comparecer e intervir como intérprete na continuação desta diligência. D.N.».

 

Os ponteiros da vida

João-Afonso Machado, 29.10.10

 URSOS.jpg 

É como aquelas albergarias decrépitas, pomposamente ainda ostentando a designação de hoteis. Megalomanias... O Magic Circo não seria mais do que um grupo familiar de saltimbancos. Gente simpática, indiferente aos ponteiros da vida, à incansibilidade das horas e dos dias, uns sucedendo aos outros, sem parança. Vagueavam por aí, de terreola em terreola, proporcionando agradáveis momentos à miudagem, nessas eras em que a miudagem não pensava ainda nas playstations. E não pensando (indiferente aos ponteiros da vida...) na vinda próxima das playstations...

De modo que a fuga do público trouxe consigo a falência do Magic Circo. Desactivado, sobrou uma reforma de 175 euros para o casal de artistas - os filhos migraram, a assegurar o futuro - , a ajuda e a solidariedade dos habitantes de Vila Boa do Bispo, no Marco de Canavezes, e ... três ursos e um burro, o Pavarotti. Comprimidos numas jaulitas quaisquer, em espaço cedido pela Junta de Freguesia, e sem dinheiro que custeie a sua alimentação.

Mas a Odete e o Reinaldo não arredam pé. Ele, vítima recente de um AVC, com sequelas evidentes na expressão facial, era o tratador e domador das feras. Ela, outrora trapezista de nomeada, era mais recentemente - e mais prudentemente - o palhaço da companhia. Porque os ponteiros da vida, afinal, nunca param. E somos o que somos, enquanto somos, por muito que as madames acastanhem ou aloirem as cabeleiras, e escondam as brancas.

O importante do episódio: os ursos e o Pavarotti precisam de comer e de um dono que os respeite. Os parques zoológicos do Norte já foram contactados, mas não se manifestaram. E os ponteiros da vida continuam apontando, inexoravelmente - segundo a segundo, dolorosamente, os males de quem sofre.

 

Contra os canhões cantar, cantarolar

João-Afonso Machado, 28.10.10

Já veio a terreiro dizer a sua campanha custará menos 500.000 euros do que a de Cavaco Silva. É assim mesmo! Quer queiram, quer não, o homem cujo perfil melhor se enquadra na Presidência da República portuguesa.

Por isso, votem nele. Votem todos, que eu não consigo. Lamentavelmente.

Ali onde o vemos, não é num outdoor exuberante, mas na capa de um seu livrinho. Poupadinho, como Teixeira Gomes, seu antecessor e seu guru, gostava do bom pitéu e de tudo o mais que fosse bom, porque o bom é o belo e o belo é cultura.

São, precisamente, boutades destas que escasseiam em Portugal e na revitalização anímica dos portugueses. Umas trovas para combater e crise. Uns poemas ditos - benditos! - à multidão em fúria para receber os salários em atraso. Algo de ousado, sem números maçadores, histórico e épico. Naquele tom grave de deputado, secretário de Estado já ninguém se lembra de quê, retórico por vocação e de profissão.

Eram assim os Presidentes na 1ª República, essa que cultivava as virtudes éticas que Alegre pretende fazer renascer das cinzas - porque não o conseguiu até agora? - e, à boleia delas, salvar a Nação.

Além de que - um Presidente, um Governo, uma Maioria... Sim, de preferência da cor camaleónica das gentes que mais contribuiram para a desgraça a que chegámos. Apanhá-los a todos na mesma fotografia e ampliá-la em outdoor. Não passaria despercebida aos portugueses, seria, sem dúvida, despesa pertinente.

Mas o nosso terrível bom-senso impedir-nos-à, junto à mesa de voto, de conseguir tão nítido retrato de como temos de nos espalhar ao comprido para depois, finalmente, nos levantarmos de vez.

 

 

Contra-relógio ético

João-Afonso Machado, 28.10.10

Não invoquemos Joaquim Agostinho. Mas faz de conta que acompanhamos um Tour importante. Uma competição regulada pela denominada Transparência Internacional (TI). A corrida é contra a corrupção, e Portugal participa, num cômputo de 178 países. Diria, atletas oriundos de quase todo o planeta. Pois bem: a prova não demora um mês apenas - prolonga-se por anos e anos.

Mais: o juri foi baptizado - Índice de Percepção de Corrupção (IPC). E vem medindo, pelo menos, desde 2000 para cá. Indiciando.

É por isso que, à data, apenas são apresentáveis os resultados de 2009, onde Portugal ocupa um "honroso" 35º lugar. Entre as soberanias mais corruptas, é claro. No exacto lugar a que estamos habituados no ciclismo. Num lugar calmo, continuado e continuando, da tabela. À moda do José Azevedo ou do Acácio Silva das bicicletas - ao menos meritórias bicicletas - não manchadas pelo doping. Isso é sabido. Como sabido é, certas são, as contas da TI. Avaliadas, na formulação do IPC, com base em "leis herméticas", num disfuncional aparelho de Justiça e na inépcia do combate contra a fraude.

É um caso em que podiamos ambicionar o 1000º lugar, por exemplo. Dar a vez à rapaziada que corre no tartan da macacada. Deixando as arábias ganhar.

Mas não. Vamos subindo a descer na escala dos países limpos. Estranha situação esta que o cidadão-republicano-candidato presidencial Manuel Alegre, a seu tempo, nos há de explicar. Em nome da sua - nossa?, nacional? - proclamadíssima Ética. Republicana. Sobretudo nesta última década do fatal século português.

 

Políticas económicas e de sobrevivência

João-Afonso Machado, 27.10.10

Creio que já não é o tempo do nosso proverbial sentido de humor. A coisa é séria. E inconclusiva. Só aturei, nas notícias da noite, a discursata do Secretário-geral do PSD, Miguel Relvas. Deixei-me ir ouvindo... Aquela longa explicação dos orgãos do Partido, que não há meio de eu decorar, as sucessivas tentativas de aproximação às propostas do Orçamento delineado pelo PS. O fracasso da negociação, obviamente causado pela inflexibilidade dos antagonistas...

Somente, gostei de um pormenor: o PSD iria divulgar, para apreciação dos eleitores, o teor dessas mesmas propostas. Digo eu: quem abre o jogo, não tem razões para temer... Além de que, ao que consta, a laranjada estivesse disposta para transigir nos aumentos do IVA e quanto aos benefícios fiscais restringidos.

(Um-zero, a favor da laranja-mecânica).

Depois apareceu o ex-ministro Catroga. Está cansado, a idade não perdoa. E invocou um facto: as negociações debruçar-se-iam sobre o plano orçamental na generalidade. O mais ficaria para a discussão parlamentar, na especialidade.

(É verdade! - dois-zero).

A seguir, coube o verbo ao PS. Isto é, a retórica negativa daqueloutra. Que era preciso cumprir as metas orçamentais; mais o drama da Sra. Merckel; além, fatalmente, do despachar de responsabilidades para o vizinho oposicionista.

(Aqui mantenho o dois-zero, embora fazendo vista grossa sobre um penalti roubado aos vice-campeões).

É claro, logo de seguida, a notícia de que os mercados financeiros já estavam a cuspir em cima de Portugal...

 

Em suma: dá para entender que o PS já foge para o bunker. E que os sofredores somos nós, os mexilhões. Pessoal, toca a tratar da horta. Cá para o Norte arrendam-se terrenos a preços módicos.

 

A fisgada de Cavaco

João-Afonso Machado, 27.10.10

Soube-se ontem aquilo que já todos sabiam. Ou talvez não: nestas andanças políticas há sempre umas subtilezas, e o facto de o cidadão Aníbal Cavaco Silva ser, garantidamente, um candidato à Presidência da República não significa, de per si, que o Presidente Cavaco Silva se candidate à recondução no cargo. As coisas são como são e, afinal, em nem tudo o que parece é.

Mas sentia-se a necessidade da novidade. Do sacudir da monotonia. Cavaco Silva, pensou, deitou contas à vida e deu com a calculadora em Espanha. Onde a fotografia de Juan Carlos não se passeia, colossal, nos cartazes de parede, a ajudar à facturação das gráficas. Numa dessas cimeiras ibéricas, o Presidente da República Portuguesa confidenciou a Sua Magestade, a propósito da crise mundial, o meio que alcançara de remar exemplarmente contra a maré.

- É preciso poupar. Eu vou dar uma lição aos meus adversários...

- ???

- Sim, contando sempre com a discrição de V. M., transmito-lhe já a minha genial ideia...

- !!!

(E porque ainda era Maio, foi-se à terceira fatia de doce da Teixeira. Vorazmente).

- A coisa está entabuzada, por ora, porque quero que os outros se espalhem. É deixá-los afixar os outdoors e depois cair-lhes em cima. Não há cá despesas com papel. Os tempos são de contenção... Grande fisgada, hem?

- ...

- Então V. M. não comenta?

- Lo sabes tu...

- V. M. põe reservas?

- Mira... Em Espanha não se usam cartazes publicitários do seu Chefe de Estado. Os espanhois preferiram gravar a sua efígie nas moedas de um euro. É menos colorido, mas não desbota com o sol e a chuva.

O Presidente Cavaco ia replicar, mas sentiu uma forte cotovelada, vinda do lado, e ouviu-se uma voz feminina, bem portuguesa:

- Porque no te callas?

 

Do "Diário de Viana" de hoje

João-Afonso Machado, 27.10.10

«Celebram-se hoje as bodas matrimoniais do nosso Amigo e denodado compatriota, o simpático comerciante José Socas Pinto, com a gentil e prendada menina Maria da Foz de Lima, das mais antigas famílias radicadas em Viana do Castelo.

A cerimónia, inicialmente pensada realizar-se na intimidade dos seus, acabará por redundar num festivo e generalizado acontecimento, a encher de alegria parentes, amigos, vizinhos e não só.

Foi a surpresa preparada pelo padrinho dos noivos, o Ex.mo Sr. Hugo Chavez, conhecido capitalista venezuelano, para o felicíssimo José Socas um autêntico pai, desde o tempo em que este exercia o mister de caixeiro-viajante.

É sabido como o Ex.mo Sr. Chavez sempre se prontificou a ajudar os jovens e empenhados profissionais em início de carreira. Daí a sua triunfal entrada em Viana do Castelo, buzinando à frente da extensíssima fila de convidados que encheram a A28 de miríades de pedacinhos de tecido branco nas antenas dos seus automóveis. Conforme, aliás, é tradição e costume entre as pessoas da nossa melhor sociedade. E o Ex.mo Sr. Chavez, no seu desvelo de padrinho e protector, anunciou já que reservou para o nosso inestimável José Socas uma excelente situação laboral na Venezuela. Nada mais do que um poço de petróleo, só para ele, agora que se antevê para breve a sua partida para o lado de lá do Atlântico. De torna-viagem?

Garantido que fica o ridente futuro do noivo, finalizamos expressando à menina Maria da Foz de Lima, uma vida cheia de paz, muita paz. Aqui em Viana, claro».

 

Sem rumo, sem sentido?

João-Afonso Machado, 26.10.10

Sou assumidamente novato nisto que, cá entre nós, já ficou conhecido como a bloga. Explico até como me iniciei: em defesa da bandeira nacional, há um ano içada na varanda da Câmara Municipal de Lisboa. Depois fui andando - isto é: escrevendo - até aos amáveis e gratificantes convites que recebi para de comentador passar a colaborador. E assim consegui apreender. O quê, em resumo e substância?

Desde logo, este mundo virtual - termo também recém-chegado - é um caminho adequado a criar amizades. Sem fugir da terminologia própria, reais ou virtuais. Depois, está aí a fórmula mágica de as pessoas interagirem - mais um neologismo, enfim - assanhadamente, por vezes. educadamente, de preferência. Com distância ou proximidade. Quer dizer: racionalmente ou emocionalmente. Na forma identificativa de cada um, supondo que a inteligência dos demais consegue distinguir a margem que separa o acalorado do insultuoso.

Porque nem tudo é como devia ser, alguém se terá lembrado de moderar - mais um eufemismo - os comentários dos intervenientes. E muito bem! Nos estabelecimentos ao lado, onde essa prática não é costumeira, é só questão de clicar e observar. Um autêntico chavascal. De que, felizmente, o Corta-Fitas se preserva.

Só que há mais. Há muito mais para além do insulto torpe. Há o propósito humilhante, a provocação constante, o intuito persecutório. Sem o calão, mas com toda a maldade. Desinteressado do contraditório, apenas orientado para a demolição. De pessoas e de ideias.

Encurtando razões, avanço rápidamente para a tão versada questão dos anónimos. Dos "abrantes", digamos assim. Apenas para concluir que o uso do nick name, ou o comentário isolado de alguém que, nem assim, quer identificar-se em público é absolutamente inócuo. Tudo está em, num caso, um comentador se decidir pela defesa de um ponto de vista sob pseudónimo e, noutro, a opinião ser expressa - apoiando, distinguindo, refutando - por quem quer, desejando manter o sigilo sobre tudo o que vá além das ideias.

Não, o mal é outro. Tremendamente pior. E consiste no propósito - se calhar, não evidente - de destruir por destruir. Sem nome, mas sistemáticamente. Como se fosse muita gente, ou um acto isolado, apenas. Mas multiplicadissimo. E, afinal, tão fácilmente detectável pelo estilo de escrita, pelo cinismo, pela maldade, pela ausência de ideias... Tão fácilmente detectável pelo cansaço provocado nos leitores, pelos regulares desabafos destes, pela doentia apresentação de um sem-nome que todos nomeiam.

Neste universo em que somos senhores dos nossos destinos - ao menos aqui... - terá de ser assim? Até na bloga imperará a impunidade? Então que parte do mundo nos resta para vivermos e nos relacionarmos em paz?

Falando por mim, sou nada do género de percorrer, apenas por percorrer, o caminho árido onde não há propósitos nem destino. A sede e a irritação deixam-me ficar a meio.

 

 

 

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