Os relevantes serviços de Tintin à Monarquia
A anunciada reedição pela ASA de toda a colecção Tintin relembrou-me um texto antigo, publicado já não sei aonde, sobre o monarquismo de Georges Remi (Hergé). Nada de extraordinário, tratando-se de um belga, e algo bem patente no album O Ceptro de Ottokar. Escrito em 1938, logo após a anexação da Áustria pela Alemanha, já de olho no território dos Sudetas e no "Protectorado da Boémia e Morávia", esta conseguida obra de Hergé espelha ainda a ameaça pairante sobre a Polónia.
O imaginário do Autor levou-o a criar dois países rivais: a Sildávia, uma monarquia democrática, e a Bordúria, autocrática e expansionista. A paisagem e o cenário político da Roménia de Carlos II e da Albânia do rei Zog I dão também o seu contributo. Mas, dizem os entendidos, tudo se poderia melhor resumir a um conflito entre a Moldávia e a Bulgária.
Por mero acaso, Tintin detecta a conspiração, através das ramificações em Bruxelas do Zildav Zentral Revolutzmar Komitzet (ZZRK) cujo chefe se chama Mussler (obvia combinação de Mussolini e Hitler). E o plano é simples: trata-se de roubar o Ceptro do medievo rei Ottokar II, símbolo da unidade e continuidade nacional; simultâneamente, de ocupar alguns pontos vitais sildavos e provocar desacatos com os vizinhos borduros, por modo a justificar a invasão das tropas destes. A falta de exibição do ceptro nos festejos de S. Vladimiro, conforme a tradição, pelo reinante Muskar XII produziria um estado de descrédito e de amedrontamento popular que, fatalmente, conduziria á abdicação do monarca.
Tintin viaja para a Sildávia, conhece o Rei que o atropela quando conduz, ele próprio, o seu automóvel, e, de imediato, lhe narra toda a trama. Não duvidando das palavras do repórter, Muskar XII teve oportunidade de as confirmar, pese embora logo após o roubo do ceptro. Este é recuperado por Tintin, o S. Vladimiro foi o costumeiro sucesso, a revolução totalitária fracassara completamente.
Tintin percorre, enfim, as ruas de Klow, a capital, no coche real, delirantemente aplaudido - ele e a Família reinante - e sendo, depois, o homenageado em magnifica recepção no Palácio, só perturbada por mais uma aselhice dos Dupont .
Esperava-o ainda a mercê do grau de Cavaleiro da Ordem do Pelicano de Ouro, a mais alta condecoração sildava. Muito justamente, acrescente-se: Tintin acabara de salvar a Coroa e a democracia, naquele pequeno reino entre os Balcãs e a premonição de Hergé.