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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Mercado ou marcado?

João-Afonso Machado, 30.09.10

Não adivinho se assistiram à algazarra parlamentar de que fez eco o noticiário televisivo ainda agora. E, menos ainda, se atentaram na intervenção do nosso , respondendo ao líder parlamentar do PSD - «Não sei se este mercado...»; para depois corrigir - «se este debate, marcado por...»...

De actos falhados, está o mundo cheio. Politicamente, não será por isso que o Chefe do Governo inscreverá o seu nome no reino da História. Sem embargo, a questão é muito mais profunda: Portugal, país marcado, está, ou não, no mercado?

Porque se está, o seu preço é baixo. Diria mesmo: a nossa nacionalidade - sejamos modernos: a marca Portugal - valerá muito pouco. Talvez apenas Camões e mais qualquer pedacito de literatura pátria. O resto é a massa insolvente. De natureza puramente material. Já hipotecada ou sob penhor mercantil.

(Rodrigues dos Santos acaba de virar o disco para a cançoneta do centenário da República. Fiquei sem tema...).

 

Memórias do Oeste

João-Afonso Machado, 29.09.10

Conheci as Berlengas em 1978. O forte era, então, uma ruína e o faroleiro o senhor absoluto da água doce no ilhéu - severamente racionada, distribuida somente para beber e cozinhar.

Acampámos uma semana e - que remédio! - todos os dias mergulhávamos ensaboados. Como toda a gente. Repetidamente cacei coelhos à mão, mas havia sempre quem se compadecesse... e lá não variavamos nós das salsichas e daquele arroz acimentado, quase fatal.

Entre os casotos dos pescadores iluminava-se um café (ou algo vagamente semelhante) onde, na véspera do regresso, pedi uma coca-cola e perdi 40$00! Vim para o Norte à boleia, o dia inteiro com um pão recesso e uma caneca de leite tragados manhã cedo. A gaivota que eu apanhara nas falésias e trazia na mochila, para oferecer ao Pai, não resistiu - era já cadáver, a meio da viagem.

Correram mais de trinta anos e eu espreito esses tempos com saudade. Arriscamos, nos de agora, a não passsar menos privações. E tanto parece, às vezes, perder o sentido!

Enfim, vai dando para desfrutar uns ocasos magníficos, aqui, no Cabo Carvoeiro. E saborear um jantarinho como deve ser, no Nau dos Corvos, de costas voltadas à amaldiçoada coca-cola...

(O pargo estava excelentemente grelhado. Não achou, Filipa?). 

 

 

Charadas jornalísticas

João-Afonso Machado, 28.09.10

Em rápida passagem de olhos pelo mais recente Boletim da Ordem dos Advogados, descubro esta citação de Henrique Monteiro (in Expresso de 14.08.2010): «Há uma nova corrente na sociedade portuguesa que começou a atacar a política, mas que já chega à justiça. Essa corrente baseia-se na seguinte e fácil asserção: a culpa é da comunicação social».

Mesmo desconhecendo o contexto em que se situa a afirmação, não pude deixar de... embasbacar!

Então, «uma nova corrente da sociedade portuguesa»? Um movimento, um programa, uma marcha reivindicativa? Aonde é, onde está, lá irei engrossar o seu caudal...

Também «já chega à justiça»? Ou não reclamará, antes, que a Justiça chegue, finalmente, a algum lugar justo? Não, sempre me vou mantendo nessa força em movimento - que se espera acelerado...

E uma corrente nascida da «asserção: a culpa é da comunicação social»? Mas porquê?

Certo é que a sociedade portuguesa vai abrindo os olhos perante a prática política e a administração da justiça. O que assombra (ou tranquiliza) a consciência da Comunicação Social? Pôr a descoberto os desmandos do quotidiano? Ou ser conivente com eles?

Temerão os jornais e a televisão o julgamento da opinião pública? Na pública praça para onde eles próprios conduziram as gentes?

 

 

A hora da bruxa

João-Afonso Machado, 27.09.10

Meia-noite, o tempo de recolher. Precisamente quando as consciências mais dão o flanco à morbidez. Ei-la que surge, então. Montada na vassoura, toda casquinadas de troça. Somos bandalhos nas suas mãos de unhas pretas. Conquanto as bruxas de agora já pintem o cabelo, agoirando pior do que nunca.. Sempre sem construir, apenas destruindo.

É ler o rol das suas pragas... Aonde nos levam elas? Maldicência por maldicência, deixem-nos ficar na realidade: um Sócrates fazedor de ficções, um Passos Coelho sem cartola. E o Portas, rapaz de mercados e beijocas - não mais - o Louçã que cissia, Jerónimo, coitado...

E cá acima, na hierárquia do Estado - Cavaco, Presidente da República, apelando à união de esforços, o Merlin Alegre a profetizar nos jornais a bancarrota, os outros peixões todos de boca aberta...

A que lugar chegaremos assim? Socratinos, socratinices... Além do mais, o disco riscou, parece... Falem-nos de esperança, ao menos. Construamos, não destruamos. Saibamos que as bruxas nos querem no estrume. Tudo é pouco, nada é tudo. E o que nos cerca, afinal. Os tiros disparados para o ar são, por regra, de autoria anónima. Logo, a expressão possivel da cobardia. Vadiagem real ou virtual. O eco da frustração, da incapacidade de ir-além-de... Um nariz enorme e uma verruga maior ainda.

Somos ameaçados pelo FMI? Pois somos. A bruxa ri, diz e maldiz, quando não se disfarça de Bela Adormecida. Pela noite fora, há-de lançar feitiços em quantos gostam de pensar em voz alta. O mundo político tudo faz para enganar o mundo das nossas gentes.

Durmamos tranquilos, não obstante. Resta-nos sempre a esperança de amanhã. E o nome de amanhã é Portugal.

 

Bom dia!!!

João-Afonso Machado, 27.09.10

É o que certamente nos vens desejar nessa correria. Com tal ar de gozo e malandrice. Um bom dia, para ti também, nunca encafuado entre quatro paredes estreitas de um qualquer canil. Aproveita a tua liberdade e sê feliz. Porque sequer estás sozinha, não falta quem te dê atenção. Dialógo..., digamos assim.

Não esqueças, porém, o trabalhinho desta Primavera toda. (Estamos quase lá...) E o fundamental - não galopar tudo de uma vez só; e nunca perder o bípede de vista. Senão a coisa corre menos bem.

Mas, pela aparência, o treino rendeu os seus frutos.

Se alguém te disser o contrário, não ligues. Lá será alguma coruja que ficou sem jantar.

Sequoia Semperviena

João-Afonso Machado, 26.09.10

Essa árvore com o sol a ofuscar-lhe a ponta, semi-coberta na base por caempancypers, é uma sequóia, e terá cerca de 150 anos. Uma criança, portanto, e irrequieta, como se vê pela dificuldade com que a objectiva a fixa. Disporia de uma vida inteira pela frente, tal como as suas primas da Sierra Nevada (California), despertíssimas, depois de mais de dois milénios, e descomunais, atingindo os 80 metros de altura e os 30 de diâmetro, São aquelas senhoras muito conhecidas, com nomes de generais americanos e - em um caso, pelo menos - uma estrada passando por entre o seu tronco.

Mas esta sequóia reside em Portugal. Cá para cima, para o Norte. Daí as minhas frequentes visitas, a saber de si, e as excelentes tardes de conversa em que discutimos a Lusitânia de Viriato, mais ou menos coeva das ditas suas parentes radicadas nos States.

Sendo rapariguita ainda, entendo não dever assustá-la. Coitada, já bem bastam as saudades da família, tão longe, sempre parca em notícias. É que nem mesmo um cartão de boas-festas no Natal!, qualquer inspirada fotografia com neve, ursos e a primalhada desse ramo Sequóia.

E em Portugal a miúda não tem motivos para viver tranquila. A taxa de mortalidade infantil entre as árvores dos nossos bosques é, como todos sabemos, elevadíssima. Desde logo porque ainda não descobrimos a vacina contra a peste vermelha - todos os verões é uma razia e os fisicos, ditos bombeiros - desgraçados - ainda não dispõem de ciência nem de meios para lutar contra essa morte implacável e sanguinária. Depois, porque a esperança de vida da Nação portuguesa começou a descer vertiginosamente desde 1910. Cem anos volvidos, estando nós no fim, quem dará abrigo então a esta jovem sequóiazita?

E assim vou tentando disfarçar a minha angústia, com as peripécias e guerrilhas de Viriato e os desaires de Vetíio, Pláucio e Fábio Máximo, sem saber quem acabará primeiro: nós, Portugal, levados pela República carunchosa, ou a sequóia, transformada em madeira por algum pato-bravo com um nome ainda mais possidónio do que o dos cônsules romanos.

 

 

 

 

Nem tudo são más notícias...

João-Afonso Machado, 24.09.10

É sempre assim. Alguém surgindo, bem cedo, com a novidade: o poldro nasceu esta noite - e a debandada geral para o prado ou para a cavalariça, onde quer que a égua tenha dado á luz.

Lá está ele, tentando firmar-se nas pernas. De resto, delgadinho como um cabrito, pouco mais é do que pernas. Um verdadeiro aranhiço, mas já á procura das tetas da mãe.

- Saiu castanho. Lindo!

O que nada quer dizer, porque a pelagem mudará ainda, certamente. Dois abanões da cauda e uns passitos saltitados. A muidagem não resiste e vai para ele, pronta de mimos e vontade de brincar. Somente, a mãe não consente e, habilidosamente, arranja sempre meio de se interpor entre o recém-nascido e o assédio dos mais entusiasmados. Com um relinchar baixo e contínuo, resmungado, um verdadeiro aviso à navegação. O poldro é só para ver com os olhos...

E a insistência bem pode ser a morte do artista. Porque do protesto, a égua passa ao dar de ancas e à pisadela. Quando não - há sempre um excessivamente maçador... - à definitiva parelha de coices. Assunto arrumado, então.

Mas, de tarde, mãe e filho estão no pasto. Em tempo de calor, muito sofrendo com a praga das moscas. Para já, os pernilongos do poldro ainda o ajudam a coçar-se atrás da orelha. Não tarda, galopará com o bando todo, no seu mundo, onde não há politica nem preocupações. A não ser, talvez, essa em que os equídios tanto se entreajudam para se livrarem dela - a das moscas, claro.

 

Amanhã é dia de feira

João-Afonso Machado, 22.09.10

Por isso ainda vai muito a tempo, Luísa. E convide o Sarkozy, leve-o a conhecer Barcelos. Mostre esses sapos e explique-lhe tudo. É que os ciganos têm deles um verdadeiro terror supersticioso. Eis porque o minhoto, sempre precavido, não há relvado ou entrada de casa onde não coloque o seu sapo, não vá o diabo tecê-las, pela calada da noite.... Autênticos cães de guarda, estas loiças! Já viu o engenho das nossas gentes? O que não somos capazes de ensinar a um Presidente da República? E resta a cabrita, um inigualável bibelot nos aposentos de Madame Bruni; e o esforçado atleta, obviamente um jogador do FêCêPê, da época do saudoso Monteiro da Costa, como bem resulta da brilhantina e do seu penteado. A França precisa de artistas assim, sobretudo depois do enorme desastre no último Mundial.

A feira de Barcelos ainda é o que sempre foi. Ou quase. Tem alfaias, ferramentas e produtos agrícolas, tem aquela roupa variada e pendurada em cabides, no improviso dos toldos, tem a famosa cerâmica. Não faltam as roscas de pão, os bolos brancos, a broa de milho. Convem é tomar uma atitude despreocupada e não pensar em quantos dedos de criança - senão mesmo de adultos - andaram já a escarafunchar nessa padaria toda. Ou que o sol e as bolas de berlim às vezes combinam mal...

Enfim, a cassete pirata é já uma instituição, e o artigo chinês também chegou, gostou e ficou. Mas resta a capoeira: gansos, patos, toda a sorte de galináceos, os láparos e pombinhas de leque. Lamentávelmente, o gado foi embora, expulso pelas autoridades sanitárias - uns maçadores imensos, há muito não se assiste àquelas zangas súbitas, só varapaus pelo ar e umas tantas cabeças rachadas. Males da modernidade... Deste tempo em que já não se negoceia com dinheiro preso num elástico, tirado do bolso das calças, e contado ali, por aquelas mãos calejadas, sempre a virem à boca buscar aderência para as notas...

Quanto a galos, ei-los também, para todos os tamanhos e gostos, com as cores e a alegria de qualquer dançadeira de Viana.

Bom proveito. Divirtam-se.

 

 

 

 

O verdadeiro Galo português

João-Afonso Machado, 22.09.10

Não pode haver réplicas. Eis-nos perante o Galo de Barcelos, em toda a sua dimensão. Nada que tenha a ver com esses saca-rolhas comprados no All-garve ou nas lojas de souvenirs do Rossio e do aeroporto da Portela. Um episódio antigo e milagreiro, ai do juiz que condenou o inocente à forca!...

E um galo a sério, como outro não há lá na capoeira. Por isso a seu poleiro, nas imediações dos Paços do Concelho, mesmo atrás da Colegiada de Santa Maria, junto às ruinas do Paço ducal e não longe do Solar dos Pinheiros. Onde Barcelos marca a sua antiguidade e a sua história.

Todos os portugueses lhe devem uma romagem. Exactamente porque nada melhor nos identifica no Mundo. Mesmo se o pintam agora em cores diversas, e, sobretudo, quando o moldam - como vai acontecendo - posto numa galinha, em pleno clímax, a bicar a crista da coitada. (Nada sabemos dela, não é de Barcelos, enfim, uma galdéria qualquer...).

Que me contrarie o Bispo-missionário D. António Barroso, do alto da sua estátua, nas imediações, caso eu exagere!

O Galo enche a feira semanal. Não se cala aquando dos andores das festas das Cruzes. Percorre o planeta. Execra o verde-rubro e respeita o garrido das vestes minhotas. Viva o Galo!!!

Pouco mais possuimos, nós, portugueses, além da certeza de que o FMI não nos leva estre ilustre barcelense. Assim como foi ele a transportar, em 1966, a lusa selecção futebolística até Inglaterra, de viseira nos olhos e lança em riste. No tempo dos Magriços. Houve - antes ou depois - melhor resultado alcançado?

(Reconhecendo os méritos eméritos do Galo de Barcelos, a República concede se realize nesta cidade - a capital portuguesa, afinal - entre 23 e 26 deste mês, a 3ª edição do Festival Internacional de Filmes de Turismo Art&Tur. O Minho sempre está a dar...).

 

 

Está no fim

João-Afonso Machado, 20.09.10

Ou no início, se quisermos, porque o pardacento Outono é sempre bem-vindo. Mesmo tratando-se do regresso de férias, com o trabalho à porta, a esperar-nos naquela sua eterna expressão de maldade, mesmo assim, o ar enche-se de folhagem e de frescura, e os pulmões de uma respiração mais lenta, mais funda. Vem aí um outro ano, uma ideia, vaga ainda, sobre o Natal, a lareira acesa, qualquer nevãozito entretanto.

As praias esvaziaram. E se saudades guardo, são desses Setembros que esticavamos em Vila do Conde, mesmo até às vindimas. O Baltazar banheiro recolhera já as barracas, as marés-vivas haviam ficado para trás, a multidão voltara à cidade. Restavamos nós. Uns tantos, poucos, conhecedores da terra e do clima. Sabendo perfeitamente que também a nortada debandaria, e a bonança precederia a tempestade. Dias inesquecíveis que se prolongavam quase até ser noite, já com a grande laranja submergindo no horizonte. Quatro gerações se ajuntavam na praia, o mar um lago, sem toldos, sem gente de volta, como que extasiados.

Desses, os mais velhos quase todos já nos faltam, levados pela idade. O tempo de férias, também a vida o tem ratado implacávelmente. Mas, então, com as nossas deambulações nocturnas impondo uma camisola de lã, e a calça de bombazina de novo em uso, - então, voltavamos a ouvir o zunido das bicicletas, enquanto Vila do Conde adormecia sem o ruído dos automóveis, a circulação das gentes e aquela euforia muito de Agosto, sempre cansativa.

Na manhã seguinte, de volta à praia, perguntávamo-nos preguiçosamente:

- Então, quando partes?

- Ainda não sei bem... E a Inês, já disse se ia embora?

E, de papo para o ar, não havia nem nortada, nem estudos, nem preocupações que nos afastassem de Vila do Conde. Nem das Ineses todas da nossa juventude.

 

 

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